Jornalismo de Investigação na Era OSINT
11 de Abril , 2025
Com a crescente disponibilidade de dados online, uma revolução silenciosa tem vindo a transformar algumas das maiores investigações jornalísticas da atualidade. Cada vez mais, investigadores e jornalistas recorrem a softwares open-source, e a informação publicamente acessível para explorar questões de interesse público. Foi neste contexto que surgiu o termo OSINT (Open-Source Intelligence), que se refere ao processo de recolher e analisar os dados acessíveis ao público e que se revelou como uma ferramenta poderosa na busca pela verdade. Através deste tipo de dados, tem sido possível desafiar fronteiras tradicionais de investigação e expor crimes, violações de direitos humanos e casos de corrupção (Bellingcat, 2024).
Mas, o que significa realmente open-source? Trata-se de um modelo de produção de conhecimento colaborativo e transparente, onde as informações são recolhidas, verificadas e analisadas de forma aberta e acessível ao público. Logo, ao recorrer a software com esta característica, a transparência jornalística adquire uma nova dimensão. Entre as principais ferramentas utilizadas nas investigações estão o Google Earth e Sentinel Hub, que fornecemforncecem e permitem a análise de imagens de satélite, a Wayback Machine, que recupera páginas da Internet que foram apagadas, o Global Fising Watch para localizar navios e o Flight Radar para monitorizar o tráfego aéreo (Bellingcat, 2024).
Coletivos independentes como a Bellingcat contam ainda com a colaboração entre jornalistas, especialistas e o público em geral. Sendo que comunidade desempenha um papel crucial para a precisão e credibilidade da investigação, pois é por possível acompanhá-la existe uma verificação constante das fontes e dos métodos utilizados pelos jornalistas, há ainda espaço para contribuir com novas descobertas e aperfeiçoar a investigação (Bellingcat, 2024; Müller & Wiik, 2021). No entanto, esta transparência também levanta questões éticas, pois desafia os princípios da privacidade, uma vez que qualquer dado público pode ser utilizado para fins investigativos, tornando então ténue a linha que separa a ética e a invasão de privacidade (Van der Woude et al., 2024).
Um dos casos mais notáveis que sustenta este modelo de investigação foi o caso do voo Malaysia Airlines Flight 17 (MH17), abatido sobre a Ucrânia em 2014. A Bellingcat cruzou informação de diferentes fontes, tais como imagens de satélite para geolocalização, trajetórias de aviões, vídeos amadores e registos de redes sociais para rastrear a trajetória do sistema de mísseis Buk que teria sido utilizado no ataque (Bellingcat, 2015). Conseguiram identificar que o mesmo pertencia a uma unidade militar russa e que teria sido transportado da Rússia para a Ucrânia pouco antes do ataque e teria sido levado de volta para a Rússia após o mesmo. Esta investigação teve um impacto significativo e as descobertas foram posteriormente confirmadas através de inquéritos oficiais (Müller & Wiik, 2021). Este caso foi fundamental para demonstrar a eficácia do jornalismo de investigação aliado à OSINT e serviu de referência para novas abordagens na cobertura e na investigação de conflitos e crimes de guerra, consolidando a OSINT como uma ferramenta essencial para o jornalismo de investigação moderno (Müller & Wiik, 2021).
Se recuarmos no tempo, percebemos como esta abordagem representa uma autêntica revolução na forma como fazemos jornalismo hoje em dia. Antigamente, o jornalismo de investigação era muitas vezes restrito a grandes redações e a indivíduos com acesso exclusivo a documentos e a fontes confidenciais (Brambilla, 2006). O acesso à informação estava reduzido a poucos profissionais e era um processo de bastante sigilo. Hoje, qualquer pessoa com acesso à Internet pode contribuir para a construção e verificação de narrativas jornalísticas, sendo então uma ferramenta essencial para a democracia (Brambilla, 2006).
No entanto, apesar das suas vantagens, este modelo de investigação também expõe os jornalistas a novos perigos, especialmente os que exploram temas sensíveis (Brambilla, 2006). Investigar crimes de guerra, corrupção ou grupos extremistas tem vindo a aumentar o risco de os jornalistas serem ameaçados, assediados online ou até alvo de ataques cibernéticos. Além disso, a exposição de dados sensíveis é uma questão crítica, pois pode colocar as fontes e os investigadores em perigo, tal como acontece quando imagens e vídeos partilhados por civis em zonas de conflito, para denunciar abusos, são utilizados contra eles próprios (Van der Woude et al., 2024). Logo, é de importância extrema que sejam adotados certos protocolos de segurança digital e que seja utilizada criptografia e anonimato.
Coletivos como a Bellingcat e a Forensic Architecture têm desenvolvido diretrizes para proteger os jornalistas e a sua comunidade, porém os desafios continuam a crescer, especialmente à medida que governos e organizações poderosas procuram dificultar investigações independentes (Müller & Wiik, 2021). Mas, mesmo perante estes obstáculos, a abordagem open-source tem demonstrado ser uma das ferramentas mais eficazes contra a manipulação da realidade e a censura (Brambilla, 2006).
Numa sociedade onde a desinformação se prolifera a uma velocidade alarmante, a transparência e a colaboração são ferramentas eficazes na luta pela verdade e pela justiça. A possibilidade de qualquer indivíduo poder participar ativamente na fiscalização e na verificação do processo realizado pelos jornalistas representa uma nova era para o jornalismo, onde a verdade não é imposta, mas sim construída coletivamente (Bellingcat, 2024). A transformação do jornalista “guardador de portões”, ou seja, quem controla que informação é ou não partilhada, para “abridor de portões”, ou seja quem facilita o acesso à informação, abre o caminho para um jornalismo mais fiel à verdade (Müller & Wiik, 2021).
Referências Bibliográficas
Bellingcat. (2024). Bellingcat – The home of online investigations. https://www.bellingcat.com
Bellingcat. (2015). MH17: The open source evidence – A Bellingcat investigation. Retrieved from [https://www.bellingcat.com/app/uploads/2015/10/MH17-The-Open-Source-Evidence-EN.pdf]
Brambilla, A. M. (2006). Jornalismo open source: Discussão e experimentação do OhmyNews International. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Müller, N. C., & Wiik, J. (2021). From Gatekeeper to Gate-opener: Open-Source Spaces in Investigative Journalism. Journalism Practice. https://doi.org/10.1080/17512786.2021.1919543
Van der Woude, M., Dodds, T., & Torres, G. (2024). The Ethics of Open Source Investigations: Navigating Privacy Challenges in a Gray Zone
Imagem criada através de Inteligência Artifícial.